Brasília, 8 de julho de 2025 — Um novo depoimento prestado pelo general da reserva Júlio César de Arruda, ex-comandante do Exército nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, colocou mais uma vez em xeque o relatório da Polícia Federal (PF) sobre a suposta tentativa de golpe de Estado no Brasil. A oitiva desmonta uma das principais teses sustentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e pelo Supremo Tribunal Federal (STF): a existência de um plano militar articulado para impedir a posse de Lula em 2023.
Durante o depoimento prestado ao STF, o general foi taxativo ao negar qualquer envolvimento ou conhecimento de um plano de ruptura institucional. Segundo ele, não recebeu, tampouco discutiu, qualquer proposta golpista. O militar relatou que o encontro com o general Mário Fernandes ocorreu antes da posse de Lula, mas descartou categoricamente que tenha havido qualquer tipo de conversa sobre impedir a posse: “Não, senhor, não discutimos nada. Lógico que não.”
O depoimento se soma a uma sequência de declarações de testemunhas que contradizem frontalmente o conteúdo do relatório da PF. Em vários casos já relatados, a Polícia Federal apontou pessoas em locais ou atividades específicas em datas críticas — como o dia 8 de janeiro — quando provas documentais e tecnológicas mostram que estavam em outros lugares, inclusive solicitando Uber ou realizando pagamentos por aplicativos de delivery.
Além de Arruda, outras figuras militares de peso, como o ex-comandante da Aeronáutica, também negaram qualquer conhecimento de plano golpista. Apesar da imprensa ter noticiado que esse oficial teria confirmado a tese da PF, a análise do depoimento mostra que ele, na verdade, declarou não ter sequer lido a chamada “minuta do golpe”, tampouco ter recebido qualquer ordem nesse sentido. Os relatos, portanto, revelam que não havia uma articulação real, mas sim conversas desarticuladas, documentos informais, e, como alguns classificaram, “aloprados trocando arquivos de Word por WhatsApp”.
O paradoxo da nomeação militar
Um dado frequentemente ignorado no debate é o fato de que Bolsonaro, nos últimos dias de mandato, acatou as sugestões do governo de transição de Lula para os comandos militares. O próprio general Arruda, que substituiu Freire Gomes, foi indicado por Lula e nomeado ainda por Bolsonaro. “Se Bolsonaro estivesse realmente planejando um golpe, faria sentido nomear os comandantes indicados pelo seu adversário político?”, questionam analistas críticos da versão oficial.
Durante os dias que antecederam e sucederam os atos de vandalismo de 8 de janeiro, Arruda permaneceu no cargo por apenas 21 dias. Sua saída, segundo o então ministro da Defesa José Múcio, ocorreu devido à “quebra de confiança”, principalmente pela resistência do general em ordenar a expulsão dos manifestantes acampados em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília. Segundo Arruda, sua postura foi de respeito ao direito de manifestação — embora não tenha considerado apropriados os protestos com pautas golpistas — e sua função foi evitar confrontos, não impedir prisões, como chegou a ser alegado.
Outro motivo citado para sua demissão foi a manutenção da nomeação de Mauro Cid para um posto de comando em Goiás, feita um ano antes dos fatos investigados. Apesar da pressão, Arruda considerou injusto exonerar Cid, que ainda não tinha qualquer envolvimento comprovado nos supostos atos antidemocráticos.
A postura controversa do STF e da PGR
A condução do processo pelo STF tem levantado duras críticas entre juristas e setores da sociedade civil. Durante a análise da denúncia feita pela PGR contra Bolsonaro e outros acusados, ministros da Corte deram declarações que, segundo especialistas, caracterizam antecipação de juízo de mérito — algo incompatível com o devido processo legal.
Em um episódio emblemático, o vice-procurador-geral da República, Hindenburgo Gonê, teve dificuldades para sustentar tecnicamente a acusação durante sessão no STF, sendo visivelmente socorrido pelo ministro Alexandre de Moraes, que assumiu a defesa do relatório da PF. Para críticos do processo, isso viola a imparcialidade do julgamento, uma vez que Moraes atua como relator, ou seja, como juiz do caso, e não deveria funcionar como acusador.
“O papel do juiz é analisar as provas apresentadas pelas partes e garantir a imparcialidade. Quando o juiz toma partido da acusação, o equilíbrio processual é quebrado”, afirmou o jurista e ex-desembargador Adilson Santos.
Além disso, há registros de ministros declarando publicamente, ainda na fase de recebimento da denúncia, que estavam inclinados à condenação dos réus — algo que, em uma democracia funcional, deveria ser motivo de impedimento do magistrado por parcialidade manifesta.
Pressões internacionais e a Lei Magnitsky
Paralelamente ao processo interno, cresce a repercussão internacional do que vem sendo percebido por observadores estrangeiros como um uso político do sistema de justiça no Brasil. A chamada “Lei Magnitsky”, aprovada nos Estados Unidos e utilizada para punir violadores de direitos humanos em todo o mundo, pode ser aplicada contra autoridades brasileiras, especialmente no contexto do embate entre o ministro Alexandre de Moraes e plataformas de redes sociais como o X (antigo Twitter), cujo proprietário, Elon Musk, tem denunciado práticas abusivas de censura judicial no Brasil.
Embora a lei não tenha relação direta com Bolsonaro ou com os acontecimentos de janeiro de 2023, ela representa um sinal claro de que abusos judiciais, se comprovados, podem ter repercussões fora do país — inclusive com sanções pessoais a autoridades brasileiras.
Conclusão
A sucessão de depoimentos contradizendo a narrativa construída no relatório da PF, a condução politizada do julgamento pelo STF, e os sinais crescentes de pressão internacional, compõem um cenário cada vez mais difícil de sustentar juridicamente. Enquanto a condenação de Bolsonaro parece ser tratada como favas contadas por setores do Judiciário, a base probatória parece frágil e construída em cima de suposições frágeis, documentos informais e ilações. A dúvida que paira sobre o processo é se o Estado brasileiro ainda opera sob o império da lei ou se está vivendo uma fase de exceção institucionalizada sob o pretexto de preservar a democracia.
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